sexta-feira, 28 de maio de 2021

DA DIÁSPORA DE STUART HALL PARA DANÇA DE MERCEDES BAPTISTA

 

DA DIÁSPORA DE STUART HALL PARA DANÇA DE MERCEDES BAPTISTA

Educação, Linguagem e Memória

Viviane Maria Candiotto

(vivianecandioto@hotmail.com)

 

INTRODUÇÃO

O objetivo deste texto é refletir sobre a identidade negra e seus comprometimentos na dança brasileira. Para tanto, escolhi desenvolver este tema partindo da história de vida da primeira bailarina clássica negra no Brasil, Mercedes Baptista, em comunhão aos pensamentos de Stuart Hall em suas analises das relações raciais no contexto multicultural. Pretendo, através do estudo, dar visibilidade à produção de artistas identificados com a dança negra e problematizar sua representação perante a diversidade cultural.  Logo, traçar considerações sobre a linguagem da dança, a representação do artista negro e expor algumas concepções teóricas e posicionamentos políticos sobre o tema.

Quando nos referimos à bailarina clássica, é fato que não nos vem à mente personalidades da raça negra, todavia, ao pensar na dança afro, aí sim, a bailarina negra ganha imagem. Perceber esta pequena sutileza nos faz pensar que mulheres negras, enquanto personagens de produção artística são pouco ou nunca citadas.  Isso acontece de modo geral com a identidade negra, independente do ser homem ou mulher.

Sendo assim, é pertinente abrir uma breve reflexão das teorias  filosóficas de Stuart Hall quando problematiza o trajeto histórico do negro arrancado  de seu encaixe histórico, cultural e político e depositado em uma categoria racial imposta pelo colonialismo.  Um bom exemplo para este argumento, segundo o autor Luiz Luna (1968, p.16) é que, “para se falar sobre a cultura afro-brasileira não se poderia deixar de mencionar o período escravo que se constituiu numa mancha impossível de ser apagada”.  (LUNA, 1968).

Segundo, abordar os primeiros passos da dança clássica em território brasileiro partindo de dois fatores do panorama internacional, que é a Revolução Russa de 1917 e o contexto da Segunda Guerra Mundial. No primeiro caso, várias famílias de origem aristocrática e artistas fugiram para a França. Portanto, compreende-se que a dificuldade material enfrentadas  na Europa impulsionou jovens bailarinos e coreógrafos russos a realizarem turnês pela América e freqüentemente acabavam ficando em algum outro  país, como por exemplo, o Brasil.

Terceiro lugar, e não menos importante, apontar a trajetória pessoal e profissional da bailarina / coreógrafa Mercedes Baptista que através de seu trabalho marca uma guinada na dança afro-brasileira.  

 

1 STUART HALL E DIÁSPORA

Dança e corpo são elementos de um mesmo conjunto. Toda dança pressupõe um corpo, fruto de uma cultura, uma época, uma sociedade.  Nesta perspectiva, é fato que há uma divisão social, hierarquizada e valorizada de diferentes formas e que podemos chamar de “gosto”. Então, o que importa dizer aqui é que a dança tem se submetido a mudanças constantes e que cada estilo de dança proporciona o encontro de expectadores em comum.  Para tanto, sobre estas mudanças de “gosto”, busco o intelectual negro jamaicano Stuart Hall que radicado na Inglaterra viveu intimamente os dois lados do colonialismo, jamaicano e inglês. Hall (2003, p. 26) aponta para a importância das questões geradas pela diáspora e acrescenta que são questões que refletem tanto nas artes quanto na cultura.

Para Hall (2003, p.27), “na situação da diáspora, as identidades tornam-se múltiplas”. Portanto, diáspora é primeiro, ausência de lar que se reconstrói em seguida num determinado ambiente e vem acompanhada com sentimento de identificação com o que foi perdido. Em relação aos negros que foram trazidos e escravizados no Brasil, ficou uma cultura para todos que vivem neste país. Também, o sentimento de orgulho pela infinidade de coisas, costumes, tradições, que se perpetuam de geração em geração.

É importante considerar fatos e ideias que por séculos de intervalo se caracterizam por uma tendência discriminatória da sociedade em relação aos padrões de beleza da população afrodescendente.  Os traços fenotípicos, como cabelos crespos, traços faciais, formas arredondadas corporais tendem a reforçar a depreciação da beleza da mulher negra. A seguir, apresento uma breve reflexão sobre o contexto vivido pela primeira bailarina clássica negra ao ingressar Theatro Municipal do Rio de Janeiro, Mercedes Baptista, que por ser negra, teve que enfrentar o preconceito. Em sua trajetória observa-se que o negro brasileiro carrega uma ferida aberta de um corpo escravizado, discriminado, e por vezes violentado.

 

2 MERCEDES BAPTISTA

Após longo período marcado pelo esquecimento da cultura negra, Mercedes Baptista deixa seu legado. Nascida em Campos dos Goyatacazes, mudou-se para a cidade do Rio de Janeiro ainda criança, onde começaram seu estudo no Colégio Municipal Homem de Mello, na Tijuca. De família pobre, começou a trabalhar ainda cedo na bilheteria de um cinema, onde se encantou pela vida de artista nos palcos. (JÙNIOR, 2007, p.12). No capítulo um do livro com título “Mercedes Baptista, A Criação da Identidade Negra na Dança” de Paulo Melgaço da Silva Júnior, o autor pontua que Mercedes iniciou seus estudos em  balé clássico e dança folclórica em 1945 no Serviço Nacional de Teatro do Rio de Janeiro, com Eros Volúsia. Na figura de uma jovem bailarina, foi a primeira mulher negra que enfrentou as rígidas regras de passar em um exigente concurso e fazer parte do Theatro Municipal do Rio de Janeiro no dia 18 de março de 1948. No livro de Paulo Melgaço( 2007) , o autor revela o testemunho desta bailarina onde é possível perceber como a discriminação racial era imposta ao corpo negro. O autor expõe que após o contrato assinado como bailarina profissional Mercedes percebeu que devido sua cor era excluída de tudo, pois mal pisava nos palcos. (JÚNIOR, 2007, p.20). Em entrevista publicada pelo jornal O Globo em 25/01/81, ela relata:

“[...] - Madeleine Rosay, Vaslav Veltchek, Edy Vasconcelos e Nina Verchinina me deram boas oportunidades na carreira, sem olhar minha cor. Os problemas vieram depois. Eu me vi de repente excluída de tudo, e nem que pusesse um capacho cobrindo meu rosto me deixavam pisar em cena. Só uma vez atravessei o palco usando sapatilhas de pontas e, ainda assim, lá no fundo [...]”. (JÙNIOR, 2007, p.20).

 

Seguindo No capítulo dois do livro de Melgaço (2007), com título “dança como profissão” o autor aponta no sentido da questão da discriminação racial como um fator determinante para o afastamento de Mercedes dos palcos na época. Ele narra segundo testemunho de Mercedes onde diz:

 

-[...] “Tudo foi sempre muito difícil, mas quem iria assumir ou deixar claro que parte das minhas dificuldades era pelo fato de que eu não era branca? Nunca iriam me dizer isso, nem dizer que o problema era racial, mas eu sabia que era e, por isso, sempre lutei cada vez procurando me aperfeiçoar”[...]. (JÙNIOR, 2007, p.21).

 

Na época, a cultura popular não era considerada aos intelectuais, porém com a multiciplicidade dos corpos no Brasil, a cultura popular e o balé clássico foram obrigados a incorporarem uma nova linguagem. É fato que o balé clássico não pode mais ser visto como uma técnica disciplinadora pela reprodução eurocentrista de corpos longilíneos, de beleza pura e perfeita do mundo de fadas.  Logo, os corpos são similares e o aprendizado se dá pela semelhança. Na época de Mercedes, os estrangeiros pioneiros do balé no Brasil viram-se obrigados a abrir espaço para esta diversidade de corpos e criar novos ballets.

Seguindo no capítulo três do livro de Melgaço (2007) com o título “a identidade negra na criação de um estilo”, o autor apresenta o panorama do movimento negro no Rio como objetivo de valorizar a identidade cultural do negro brasileiro e acrescenta que foi a partir deste momento que Mercedes Baptista passa então a representar o Teatro Experimental do Negro como bailarina, colaboradora e mais tarde como coreógrafa. Deste ponto em diante, os processos identitários da beleza da corporeidade negra começa a ganhar espaço no cenário da dança brasileira. A bailarina apresenta-se impregnada de suas particularidades, mas composta de inovações cujo tom diaspórico torna-se visível. 

 

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo objetivou identificar a trajetória da bailarina clássica negra Mercedes Baptista buscando a compreensão para a negação do corpo negro em representações de produção artística na área da dança brasileira.

Os estudos de Stuart Hall e Paulo Melgaço trouxeram-me um entendimento de que o bailarino se constrói tanto no palco artístico quanto nos palcos da vida. Somos sujeitos impregnados de história e elucidá-las é o melhor caminho para nos conhecermos mais. É neste contexto que a dança afro dá ao corpo escravizado sua liberdade.

Assim, reunir, conversar, lembrar, organizar, absorver, refletir, reorganizar o cenário da dança hoje, tentar escrever a relação do corpo negro e arte torna-se necessário para todos nós.  Pois ainda são muitas as lacunas para serem preenchidas. 

Concluo este texto afirmando que a dança é para todos independentes da identidade de quem somos. A dança é uma construção social que vem mudando e resignificando através dos tempos. Se a identidade é pertencer a um grupo social, a dança afro-brasileira é determinante para aceitação da mulher afrodescendente.

Para Silva (2000), “a identidade é simplesmente aquilo que se é”. Portanto, é necessário o resgate da beleza da mulher negra para sua positividade. O autor pontua que somos o resultado de atos de criação.

 

 

REFERÊNCIAS

 

HALL, Stuart. Pensando a Diáspora (Reflexões Sobre a Terra no Exterior). In: Da Diáspora: Identidades e Mediações Culturais. Liv Sovik (org); Trad. Adelaine La Guardia Resende. Belo Horizonte: Editora UFMG; Brasília: Representação da Unesco no Brasil, 2003.

JÚNIOR, Paulo Melgaço da Silva. Mercedes Baptista - A Criação da Identidade Negra na Dança. Copyright - 2007 Paulo Melgaço da Silva Júnior 

LUNA, Luiz. O Negro na luta contra a escravidão. Leitura: Rio de Janeiro, 1968.

SILVA, Tomaz Tadeu (org). Identidade e diferença na perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000.


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Direitos autorais 2017 Anais do Seminário de Educação, Conhecimento e Processos Educativos

http://periodicos.unesc.net/seminarioECPE/article/view/3960




quarta-feira, 29 de maio de 2019

Condução e Danças de Salão: Conducorporificação


Condução e Danças de Salão: Conducorporificação
Rodolfo Marchetti Lorandi, Bianca Scliar Cabral Mancini

Resumo
Este artigo busca, entre práticas, teorias e pesquisas artísticas e pedagógicas, especular sobre aspectos da condução nas danças de salão. Busca-se em conceitos no fazer, em experiências da Grão Companhia de dança, no diálogo com outros artistas e com a filosofia processual de Manning e Massumi discutir: o que é condução, onde nascem os movimentos em condução, o que são movimentos validados pela condução para, por fim, sugerir aspectos para uma pedagogia da condução nas danças sociais. Desse modo, através de conceitos como movimento-relação, corpo-mais-que-um, eventos em-formação, busca-se aqui demonstrar o complexo de relações que corporificam o movimento que antecede a condução e que chamamos de conducorporificação.

Palavras-chave: Dança. danças de salão. danças sociais. Condução. condução e dança. condução nas danças de salão.

Texto completo:


Referências:
DELEUZE, G. e GUATTARI, F. O que é a filosofia? Tradução de Bento Prado Jr. e Alberto Alonso Muñoz. São Paulo: Editora 34, 2010.
DELEUZE, Gilles. A imanência: uma vida. Revista educação e realidade. v. 27, n. 2, 2002. Disponível em: Acesso em 20 Abr 2019.
GIL, J. Movimento total: o corpo e a dança. Tradução de Miguel Serras Pereira. Lisboa: Relógio D´Água Editores, 2001.
LAPOUJADE, D. As existências mínimas. Tradução de Hortencia Santos Lencastre. São Paulo: Editora N-1 edições, 2017.
THAIN, Alanna. Affective Commotion Minding the Gaps in Research-creation In Inflexions - a journal for research creation. n 1. p. 1 - 24, may. 2008. Disponível em Acesso em 25 mar 2019.
MANNING, E. Percorrendo o mundo. Tradução de Bianca Scliar Cabral (no prelo). Original em Body & Society. v. 20, n 1, p. 162 - 188, set. 2014. Acesso em: < https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/1357034X14546357?journalCode=boda> Acesso em: 25 mar. 2019.
MANNING, E. The minor gesture. Durhan: Duke University Press. 2016.
MASSUMI, Brian. A arte do corpo relacional: do espelho-tátil ao corpo virtual. Tradução de André Fogliano. Revista Galaxia. n 31, jan./abr. São Paulo, Online. n. 31, 05 - 21, abr. 2016. Disponível em: Acesso em: 25 mar. 2019.
SCLIAR, Bianca C. Anotações sobre Pedagogias Radicais. Revista Nupeart. v. 16, p. 10 - 21, 2016. Disponível em: < http://www.revistas.udesc.br/index.php/nupeart/article/view/10502> Acesso em: 25 mar. 2019.
WHITEHEAD, A. N. Processo e realidade: ensaio de cosmologia. Tradução de Maria Teresa Teixeira. Lisboa: Centro de filosofia de Lisboa, 2010. 
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Publicação: Interfaces Brasil/Canadá, Revista Brasileira de Estudos Canadenses

Fonte: