DA DIÁSPORA DE STUART HALL PARA DANÇA DE
MERCEDES BAPTISTA
Educação,
Linguagem e Memória
Viviane
Maria Candiotto
INTRODUÇÃO
O objetivo deste texto é refletir sobre a identidade
negra e seus comprometimentos na dança brasileira. Para tanto, escolhi
desenvolver este tema partindo da história de vida da primeira bailarina
clássica negra no Brasil, Mercedes Baptista, em comunhão aos pensamentos de
Stuart Hall em suas analises das relações raciais no contexto multicultural.
Pretendo, através do estudo, dar visibilidade à produção de artistas
identificados com a dança negra e problematizar sua representação perante a
diversidade cultural. Logo, traçar
considerações sobre a linguagem da dança, a representação do artista negro e
expor algumas concepções teóricas e posicionamentos políticos sobre o tema.
Quando nos referimos à bailarina clássica, é fato que
não nos vem à mente personalidades da raça negra, todavia, ao pensar na dança afro,
aí sim, a bailarina negra ganha imagem. Perceber esta pequena sutileza nos faz
pensar que mulheres negras, enquanto personagens de produção artística são
pouco ou nunca citadas. Isso acontece de
modo geral com a identidade negra, independente do ser homem ou mulher.
Sendo assim, é pertinente abrir uma breve reflexão das
teorias filosóficas de Stuart Hall
quando problematiza o trajeto histórico do negro arrancado de seu encaixe histórico, cultural e político
e depositado em uma categoria racial imposta pelo colonialismo. Um bom exemplo para este argumento, segundo o
autor Luiz Luna (1968, p.16) é que, “para se falar sobre a
cultura afro-brasileira não se poderia deixar de mencionar o período escravo
que se constituiu numa mancha impossível de ser apagada”. (LUNA, 1968).
Segundo, abordar os
primeiros passos da dança clássica em território brasileiro partindo de dois
fatores do panorama internacional, que é a Revolução Russa de 1917 e o contexto
da Segunda Guerra Mundial. No primeiro caso, várias famílias de origem
aristocrática e artistas fugiram para a França. Portanto,
compreende-se que a dificuldade material enfrentadas na Europa impulsionou jovens bailarinos e
coreógrafos russos a realizarem turnês pela América e freqüentemente acabavam
ficando em algum outro país, como por
exemplo, o Brasil.
Terceiro lugar, e não menos importante, apontar a trajetória pessoal e profissional da bailarina / coreógrafa Mercedes Baptista que através de seu trabalho marca uma guinada na dança afro-brasileira.
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STUART HALL E DIÁSPORA
Dança e corpo são
elementos de um mesmo conjunto. Toda dança pressupõe um corpo, fruto de uma
cultura, uma época, uma sociedade. Nesta
perspectiva, é fato que há uma divisão social, hierarquizada e valorizada de
diferentes formas e que podemos chamar de “gosto”. Então, o que importa dizer
aqui é que a dança tem se submetido a mudanças constantes e que cada estilo de
dança proporciona o encontro de expectadores em comum. Para tanto, sobre estas mudanças de “gosto”,
busco o intelectual negro jamaicano Stuart Hall que radicado na Inglaterra
viveu intimamente os dois lados do colonialismo, jamaicano e inglês. Hall
(2003, p. 26) aponta para a importância das questões geradas pela diáspora e
acrescenta que são questões que refletem tanto nas artes quanto na cultura.
Para Hall (2003, p.27), “na situação da
diáspora, as identidades tornam-se múltiplas”. Portanto, diáspora é primeiro,
ausência de lar que se reconstrói em seguida num determinado ambiente e vem
acompanhada com sentimento de identificação com o que foi perdido. Em relação
aos negros que foram trazidos e escravizados no Brasil, ficou uma cultura para
todos que vivem neste país. Também, o sentimento de orgulho pela infinidade de
coisas, costumes, tradições, que se perpetuam de geração em geração.
É importante considerar fatos e ideias que
por séculos de intervalo se caracterizam por uma tendência discriminatória da
sociedade em relação aos padrões de beleza da população afrodescendente. Os traços fenotípicos, como cabelos crespos,
traços faciais, formas arredondadas corporais tendem a reforçar a depreciação
da beleza da mulher negra. A seguir, apresento uma breve reflexão sobre o
contexto vivido pela primeira bailarina clássica negra ao ingressar Theatro Municipal do Rio de Janeiro, Mercedes
Baptista, que por ser negra, teve que enfrentar o preconceito. Em sua
trajetória observa-se que o negro brasileiro carrega uma ferida aberta de um
corpo escravizado, discriminado, e por vezes violentado.
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MERCEDES BAPTISTA
Após longo período marcado pelo esquecimento da
cultura negra, Mercedes Baptista deixa seu legado. Nascida em Campos dos
Goyatacazes, mudou-se para a cidade do Rio de Janeiro ainda criança, onde
começaram seu estudo no Colégio Municipal Homem de Mello, na Tijuca. De família
pobre, começou a trabalhar ainda cedo na bilheteria de um cinema, onde se
encantou pela vida de artista nos palcos.
(JÙNIOR, 2007, p.12). No capítulo um do livro com título “Mercedes Baptista, A Criação
da Identidade Negra na Dança” de Paulo Melgaço da Silva Júnior, o autor pontua que Mercedes iniciou seus
estudos em balé clássico e dança
folclórica em 1945 no Serviço Nacional de Teatro do Rio de Janeiro, com Eros
Volúsia. Na
figura de uma jovem bailarina, foi a primeira mulher negra que enfrentou as
rígidas regras de passar em um exigente concurso e fazer parte do Theatro
Municipal do Rio de Janeiro no dia 18 de
março de 1948. No livro de
Paulo Melgaço( 2007) , o autor revela o testemunho desta bailarina onde é
possível perceber como a discriminação racial era imposta ao corpo negro. O
autor expõe que após o contrato assinado como bailarina profissional Mercedes
percebeu que devido sua cor era excluída de tudo, pois mal pisava nos palcos. (JÚNIOR,
2007, p.20). Em entrevista publicada pelo jornal O
Globo em 25/01/81, ela relata:
“[...] - Madeleine Rosay, Vaslav Veltchek, Edy Vasconcelos e Nina Verchinina
me deram boas oportunidades na carreira, sem olhar minha cor. Os problemas
vieram depois. Eu me vi de repente excluída de tudo, e nem que pusesse um
capacho cobrindo meu rosto me deixavam pisar em cena. Só uma vez atravessei o
palco usando sapatilhas de pontas e, ainda assim, lá no fundo [...]”. (JÙNIOR, 2007, p.20).
Seguindo No capítulo dois do livro de Melgaço (2007),
com título “dança como profissão” o autor aponta no sentido da questão da
discriminação racial como um fator determinante para o afastamento de Mercedes
dos palcos na época. Ele narra segundo testemunho de Mercedes onde diz:
-[...] “Tudo foi sempre muito difícil, mas
quem iria assumir ou deixar claro que parte das minhas dificuldades era pelo
fato de que eu não era branca? Nunca iriam me dizer isso, nem dizer que o
problema era racial, mas eu sabia que era e, por isso, sempre lutei cada vez
procurando me aperfeiçoar”[...]. (JÙNIOR, 2007,
p.21).
Na época, a cultura popular não era considerada aos
intelectuais, porém com a multiciplicidade dos corpos no Brasil, a cultura
popular e o balé clássico foram obrigados a incorporarem uma nova linguagem. É
fato que o balé clássico não pode mais ser visto como uma técnica
disciplinadora pela reprodução eurocentrista de corpos longilíneos, de beleza
pura e perfeita do mundo de fadas. Logo,
os corpos são similares e o aprendizado se dá pela semelhança. Na época de
Mercedes, os estrangeiros pioneiros do balé no Brasil viram-se obrigados a
abrir espaço para esta diversidade de corpos e criar novos ballets.
Seguindo
no capítulo três do livro de Melgaço (2007) com o título “a identidade negra na
criação de um estilo”, o autor apresenta o panorama do movimento negro no Rio
como objetivo de valorizar a identidade cultural do negro brasileiro e
acrescenta que foi a partir deste momento que Mercedes Baptista passa então a
representar o Teatro Experimental do Negro como bailarina, colaboradora e mais
tarde como coreógrafa. Deste ponto em diante, os processos identitários da
beleza da corporeidade negra começa a ganhar espaço no cenário da dança
brasileira. A bailarina apresenta-se impregnada de suas particularidades, mas
composta de inovações cujo tom diaspórico torna-se visível.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo objetivou identificar a trajetória
da bailarina clássica negra Mercedes Baptista buscando a compreensão para a
negação do corpo negro em representações de produção artística na área da dança
brasileira.
Os estudos de Stuart Hall e Paulo Melgaço trouxeram-me
um entendimento de que o bailarino se constrói tanto no palco artístico quanto
nos palcos da vida. Somos sujeitos impregnados de história e elucidá-las é o
melhor caminho para nos conhecermos mais. É neste contexto que a dança afro dá
ao corpo escravizado sua liberdade.
Assim, reunir, conversar, lembrar, organizar,
absorver, refletir, reorganizar o cenário da dança hoje, tentar escrever a
relação do corpo negro e arte torna-se necessário para todos nós. Pois ainda são muitas as lacunas para serem
preenchidas.
Concluo este texto afirmando que a dança é para todos
independentes da identidade de quem somos. A dança é uma construção social que
vem mudando e resignificando através dos tempos. Se a identidade é pertencer a
um grupo social, a dança afro-brasileira é determinante para aceitação da
mulher afrodescendente.
Para Silva (2000), “a identidade é simplesmente aquilo
que se é”. Portanto, é necessário o resgate da beleza da mulher negra para sua
positividade. O autor pontua que somos o resultado de atos de criação.
REFERÊNCIAS
HALL, Stuart. Pensando a Diáspora (Reflexões Sobre a Terra no Exterior). In: Da Diáspora: Identidades e Mediações Culturais. Liv Sovik (org); Trad. Adelaine La Guardia Resende. Belo Horizonte: Editora UFMG; Brasília: Representação da Unesco no Brasil, 2003.
JÚNIOR, Paulo Melgaço da Silva. Mercedes Baptista - A Criação da Identidade Negra na Dança. Copyright - 2007 Paulo Melgaço da Silva Júnior
LUNA, Luiz. O Negro na luta contra a escravidão. Leitura: Rio de Janeiro, 1968.
SILVA,
Tomaz Tadeu (org). Identidade e
diferença na perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000.
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